Aumento das propinas para os alunos estrangeiros em França : riscos e reações dos alunos franceses
- Sorbonne Lusofona
- 23 mars 2020
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Dernière mise à jour : 14 mai 2020
A França é um país muito atraente para os adultos desejosos de encontrar um trabalho melhor mas também para os jovens em busca de uma melhor educação. Isso explica-se simplesmente : a França, além de ter uma capital muito famosa e um sistema educativo com boa reputação, também oferece há anos um ensino superior quase gratuito para todos os alunos. O problema é que essa situação quase ideal mudou oficialmente com o decreto do 19 abril de 2019, que obriga os alunos estrangeiros a pagar a sua escolaridade mais caro. Essa mudança significativa e simbólica chocou várias pessoas, mas os alunos franceses foram os primeiros a reagir. Unidos, conseguiram ajudar os alunos estrangeiros. No entanto, esse privilégio de gratuidade é tipicamente francês. De facto, essa gratuidade parece evidente para os alunos e para a França mas é menos evidente para os que vivem num outro país.
Decreto do 19 abril de 2019 : Do que se trata ?
O decreto do dia 19 de abril de 2019, que trata dos direitos de inscrição dos estudantes que seguem um curso num estabelecimento público sob a tutela do ministério responsável pelo ensino superior (MESRI), e que trata igualmente sobre as possíveis isenções que os estudantes estrangeiros terão seguramente de pagar para poderem estudar em França, foi publicado no jornal oficial dia 21 de abril de 2019.

Neste decreto, normalmente publicado no mês de julho ou agosto, surgem novas condições de inscrição para os estudantes estrangeiros, sobretudo em termos financeiros; de facto, para poderem estudar numa universidade pública em França, agora os estudantes estrangeiros terão 2770 euros de custos de inscrição para o licenciamento e 3770 para o master o doutoramento. São números 10 vezes maiores do que os estrangeiros que vêm da união europeia pagam. No entanto, esta mudança não se aplicará ao doutoramento. Este aumento traz uma oposição do lado das universidades, de facto além de ser totalmente injusto ela fará do ensino superior francês algo menos atraente, e também visa os estudantes estrangeiros que têm as menores condições financeiras.
O primeiro ministro justifica este aumento pelo facto de poder pagar mais facilmente as bolsas de estudo dos estudantes franceses e europeus, mas os números anunciados são sim exagerados e totalmente injustos para os estudantes estrangeiros.
E os estudantes franceses, o que pensam disso?
A maior parte dos estudantes franceses reagiram a essa lei que não lhes parece justa. Eles não querem ser privilegiados pela nacionalidade deles. Segundo os alunos, se a escola é gratuita então deve ser para toda a gente. Há anos que a França oferece acesso à escolaridade gratuita para todos os estudantes, e ninguém, sem ser o Governo, parece querer ver essa oportunidade mudar. Ainda menos quando se sabe que os estudantes estrangeiros custam 3 milhões ao Estado mas rendem-lhe 4,5 milhões, nomeadamente graças às suas compras. Portanto, os franceses não vêem nenhuma razão de os « castigar » dessa maneira. No entanto, a injustiça não é o único defeito dessa lei. Além de desfavorecer os alunos estrangeiros, ela tem um outro risco. De facto, como explicam vários professores do ensino superior, muitas escolas francesas dependem desses alunos estrangeiros que, com certeza, terão mais dúvidas quando pensarem em ir estudar em França. Se até agora, esse paίs era o quarto a receber mais estudantes estrangeiros, ele risca de perder esse lugar e de ver ao mesmo tempo várias vagas fecharem nas escolas fora da região parisiense, por falta de alunos. Alguns vão ainda mais longe e começam a pensar num outro risco : e se esse decreto fosse um primeiro passo para uma aumentação geral das propinas? E se os franceses tivessem também que pagar a escolaridade deles mais caro daqui a pouco tempo? No entanto, o problema também toca diretamente os franceses.
Por essas razões, a reação dos estudantes foi viva e imediata. Eles não tiveram medo de mostrar o descontentamento deles. Os primeiros a reagir foram os sindicatos de alunos franceses, principalmente os dois mais conhecidos: o FAGE e o Unef, que fizeram ambos um comunicado de imprensa onde criticavam esse projeto do executivo francês. De facto, o FAGE afirma que o aumento das propinas “leva a uma reprodução dos determinismos sociais e impede a democratização efetiva do ensino superior e a elevação geral do nível de qualificações na sociedade” e acrescenta que essa decisão sό vai favorecer “algumas escolas conhecidas, nomeadamente as parisienses”. Além disso, segundo o sindicato, “não são os alunos que têm de pagar o subfinanciamento do ensino superior pelo Estado”. Enfim, o Unef acusa um “reforço da precariedade social e o fecho das portas do ensino superior francês.”
Os sindicatos não se contentaram de criticar o decreto porque sabiam que isso não seria o suficiente. Portanto, decidiram organizar várias manifestações em Paris. A primeira foi no sábado dia 1 de dezembro de 2018, na praça Panthéon, onde se encontra uma das universidades francesas mais prestigiosas, o Panthéon-Sorbonne. O FAGE, o Unef e o Solidarité Étudiante reuniram uma centena de estudantes para, juntos, criticarem o decreto e pedirem a sua anulação. A eles se juntaram outros sindicatos e os estudantes investigadores, que também conhecem bem a precariedade e têm várias reclamações a fazer ao estado. Mais tarde, no dia 22 de janeiro, a FAGE voltou a organizar uma manifestação na praça da Sorbonne. Além disso, o sindicato lançou uma petição para pedir, mais uma vez, ao Estado para cancelar o seu decreto. Conseguiu recolher mais de 300.000 assinaturas.
A reação do estado demorou a chegar, mas foi finalmente negativa: o decreto conseguiu passar apesar dos esforços fornecidos pelos estudantes e sindicatos. Contudo, muitas universidades tomaram a decisão oposta e decidiram dar ouvidos aos alunos revoltados, mesmo que isso esteja oposto ao Estado. A Sorbonne, como muitas outras universidades, escolheu continuar a tentar oferecer uma escolaridade quase gratuita a todos os alunos, até aos estrangeiros. Assim, Panthéon-Sorbonne afirmou que o “Conselho Académico e o Conselho de a Administração da Universidade [...] estão firmemente opostos ao aumento discriminatório das propinas no ensino superior” e que, no entanto, “o presidente da universidade proporá de aplicar os mesmos direitos de inscrição aos estudantes franceses e estrangeiros, que sejam europeus ou estrangeiros à Europa, utilizando para isso todos os seus meios de isenção” como os subsίdios.
Nós quisemos questionar um sindicato estudante da Sorbonne Universidade para saber se ele tinha tido alguma ligação com essa decisão. Decidimos então questionar um dos sindicatos mais importantes dessa escola, o Alliance solidaire et Déchaînée (ASD),que como os outros, criticou o decreto. O ASD explicou-nos exatamente o que eles fizeram para que a escola não aumentasse as propinas para os estrangeiros. “Este decreto criou um movimento de contestação national bastante forte e, em muitas universidades houveram comitês de mobilização contra esse decreto, como foi o caso na Sorbonne Paris IV (Sorbonne Université). Rápidamente, os estudantes eleitos puderam rapidamente levar uma moção (um texto votado em conselho) ao Conselho da Administração (que foi organizado algumas semanas depois do anúncio [do decreto], portanto calhou bem no calendário para nos podermos falar disso), juntos. Aqui, fomos nós e o UNEF (outro sindicato da Sorbonne). A presidência, com o Jean Chambaz e a sua equipa, estava favorável a nossa moção, e como já haviam outras universidades que a tinham passado, não houve nenhum problema. Foi assim que foi votada a isenção, que será feita com o dinheiro que já é previsto para casos de estudantes com dificuldades.” explicou o sindicato. Ele acabou por comentar que « a ação dos sindicatos é, no entanto, importante para podermos levar ao Conselho o debate e votar a isenção, mas também é importante para informar e mobilizar as pessoas, que sejam sindicalizadas ou não, sobre esse sujeito » . “ Nόs podemos ver assim que os estudantes também se interessam pela política e que não têm medo de fazer ouvir a vozes deles, que podem até ser cruciais para mudar o mundo. E tudo isso pode começar aquί, na Sorbonne.
E nos outros países, como é que se passam os estudos superiores? Os alunos franceses têm mesmo mais sorte que os outros?
Podemos comparar as diferenças que existem entre as universidades públicas de França e as universidades públicas do Brasil e de Portugal.
Nas universidades públicas de França é preciso pagar o que se chama a taxa de inscrição (em francês frais de dossier) um valor menos importante que o de Portugal. De facto uma licenciatura custa 170 euros e um mestrado custa 243 euros para um ano de estudos, um valor igual em todas as universidades públicas de França, o que mostra que as propinas são baixas. Além disso, também existem bolsas de estudo pagas pelo estado para ajudar os que precisam ou os que não têm condições de pagar os seus estudos pόs-bacharelato. Mas em França o Estado têm critérios especίficos para que os estudantes beneficiem das bolsas de estudo. Ou seja de acordo com o salário dos pais e o total anual de impostos pagos pelos pais, o estudante terá ou não terá uma bolsa de estudos (a quantia varia consoante a situação financeira ou familiar). Esta medida é feita apenas para os estudantes que não podem, ou que têm dificuldades para pagar os seus estudos, e para poder receber esta quantia o aluno deve mostrar e provar que tem mérito. De facto, o aluno tem que estar presente a todas as aulas e ter bons resultados a todos os exames ou então a bolsa lhe será retirada e ele terá de reembolsar o que já havia recebido. Assim, em França, os estudos post-bacharelato estão ao alcance de toda a gente ou quase.
Já no Brasil, as universidades públicas são grátis ou seja, não se deve pagar nada quando entramos numa universidade pública lá. No Brasil existe um paradoxo importante referente ao acesso ao ensino superior, porque ao contrário do que podemos pensar são as pessoas de classes sociais elevadas que podem frequentar as universidades públicas do Brasil e não as pessoas de classes médias que tentam ir para as universidades privadas. Portanto os lugares nas universidades públicas no Brasil são muito limitados. Mas, isso impede as pessoas de classes médias de continuarem os estudos porque as propinas nas universidades privadas são muito caras, e como o Estado não fornece nenhuma ajuda financeira os estudantes que vêm de classes médias acabam por serem desviados do ensino superior contra a prόpria vontade. Então as universidades públicas brasileiras são consideradas como melhores do que as universidades privadas, são mais prestigiosas devido ao facto que apenas pessoas da classe social mais elevada estão matriculadas nessas universidades.
Finalmente, as universidades públicas em Portugal não são gratuitas, de facto, o valor do pagamento muda segundo a universidade e o curso. Mais a universidade é valorizada mais o pagamento vai ser alto, e igualmente para os diferentes cursos. Para frequentar uma universidade pública é preciso pagar a taxa de candidatura, a taxa de inscrição, a matrícula e a propina anual. No final os valores variam de 2000 euros até 7000 euros por ano. Por exemplo, um aluno que vai estudar numa licenciatura em bioquímica na universidade pública do Porto vai ter de pagar 2100 euros só para o curso, um aluno nesta mesma universidade mas em licenciatura de direito ou de história deverá pagar 1925 euros, sem contar o resto (ou seja as outras taxas e a matrίcula). Além disso o valor pode ser assim tão alto, porque Portugal conta 5 universidades que estão entre as 500 melhores do mundo, como a universidade de Lisboa, do Porto, do Minho, de Coimbra e de Aveiro. No entanto em Portugal existem bolsas de estudos, assim como em França, para permitir a qualquer um de se inscrever para poder usufruir do ensino superior. Para conseguir ter a bolsa de estudos,em Portugal, os estudantes precisam ter um bom histórico escolar e boas notas.
Deste modo, as universidades francesas são as que dão mais oportunidades a todos os estudantes para poderem usufruir dum bom ensino superior. De facto não é preciso vir de uma classe social elevada para poder estudar nas universidades públicas como no Brasil. O estudante precisa de ter mérito ou pagar um preço baixo pelos seus estudos. Enquanto que em Portugal o ensino superior permanece muito caro paras os estudantes que não recebem bolsa de estudos.
Para concluir, há anos que as universidades francesas oferecem chances únicas aos alunos de todas as origens, ou seja que oferecem uma boa educação a um preço muito baixo e assim accessível para toda a gente. Essa oportunidade tem atraído muitos estrangeiros, entre os quais encontramos lusófonos que não sempre têm esse tipo de possibilidades nos países de origem deles. Portanto, esse decreto é um verdadeiro « perigo » para essas pessoas, e para a educação francesa em geral. Felizmente, os alunos em França são unidos e solidários e impedirão que este decreto aconteça. Graças às suas ações, a França continua a ser um paίs atraente para os estudantes estrangeiros, que ainda têm muito para dar, mas também para oferecer à França.
Artigo escrito por : Gabriella A.C. , Leticia N.G. e Joana D.S.F.
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